O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) adiou hoje (2) a continuidade do julgamento de um pedido de liberdade feito por um jovem negro que alega ter sido abordado e preso pela polícia com base na cor de sua pele. 

O julgamento foi interrompido com o placar de 3 a 1 pela rejeição do habeas corpus. O processo começou a ser julgado ontem (1º), quando acusação e defesa apresentaram argumentos. A análise deve ser retomada na próxima sessão plenária, marcada para quarta-feira (8). 

Oito entidades autorizadas também se manifestaram sobre o tema, todas apontando a discriminação na abordagem policial e o racismo estrutural como um traço característico das polícias e instituições em geral no Brasil.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) argumentou que o caso não está relacionado a racismo, pois foram outros elementos, e não cor da pele, que determinaram a abordagem policial, como o fato de o local da prisão ser conhecido na cidade como ponto de tráfico de drogas. 

Voto

Nesta quinta-feira (2), o relator do pedido de liberdade, ministro Edson Fachin, concordou com o argumento e votou por anular a condenação do homem. Ele julgou ter havido o chamado perfilhamento racial – quando a abordagem policial é baseada em estereótipo de raça. 

“O sistema de justiça ainda não deu mostras de que tenha desativado a rede de estereótipos que atribui aos corpos negros sentidos sociais negativos”, afirmou Fachin. Ele disse que “é dever desta Suprema Corte reconhecer não apenas ausência de justa causa, mas causa injusta aquela que determina abordagens policiais com base na cor da pele”. 

Além de conceder o habeas corpus, o relator sugeriu o estabelecimento de uma tese, a ser aplicada a casos similares, segundo a qual a busca pessoal sem mandado judicial “deve estar fundada em elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos e papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, cor da pele ou aparência física”. 

Divergência

Até o momento, discordaram do relator os ministros André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Para a divergência, o caso concreto não permite comprovar a ocorrência do perfilhamento racial, embora estejam de acordo a respeito da necessidade de se combater o fenômeno. 

“Não há aqui como se afirmar que foi preso porque a polícia olhou, viu uma pessoa negra, foi lá e prendeu. A pessoa não estava num local que é tradicionalmente um ponto de droga. Estava fazendo o modus operandi [do comércio de drogas]”, destacou Moraes. 

Ainda assim, o ministro reconheceu que o racismo estrutural “é uma chaga brasileira”, a qual deve ser combatida e estripada das instituições. Moraes também apontou estudos que comprovam a ocorrência do perfilhamento racial, e disse que as instituições de segurança pública têm buscado soluções para o problema. 

Caso concreto 

No caso concreto, o rapaz foi abordado em uma esquina de Bauru (SP), sendo flagrado por policiais com 1,58 grama de cocaína no bolso. À justiça, o preso disse ser usuário de drogas. Ele acabou sendo condenado a sete anos e onze meses de prisão por tráfico de drogas. A pena foi depois reduzida para dois anos e onze meses na segunda instância. 

Na descrição feita pelo policial responsável pela ocorrência, o agente disse que “avistou ao longe um indivíduo de cor negra que estava em cena típica do tráfico de drogas, uma vez que ele estava em pé, junto ao meio-fio, em via pública, e que um veículo estava parado junto a ele”. 

A tese sobre a ocorrência do perfilhamento racial na abordagem foi levantada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para onde caso foi enviado após sucessivos recursos da defensoria pública.

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