“Quero saber quem derrubou a castanheira. As seringueiras, quem será que destruiu? Quem arrancou e tocou fogo nas palmeiras ganhou dinheiro, mas o mundo poluiu…” João do Mel

Cercada de soja por todos os lados, a Chácara João do Mel, em Belterra, Oeste do Pará, é como uma ilha de biodiversidade que ainda reflete a natureza amazônica em um cenário formado por áreas desmatadas a perder de vista. Apesar da expressão de resistência ecológica, o pequeno oásis pertencente a João Batista Ferreira já sofre os efeitos do modelo de monocultura regada ao uso de agrotóxicos em larga escala.

Esse e outros impactos socioambientais têm sido cada vez mais associados ao extermínio de abelhas e, consequentemente, à inviabilidade da produção de mel como atividade econômica dessa cidade que integra a Região Metropolitana de Santarém (Mesorregião Baixo Amazonas), localizada a 724 quilômetros de Belém.

Aos 59 anos, Ferreira passa por uma mudança de rumo profissional jamais imaginada para quem transformou um hobby, aprimorado desde a adolescência, em um bem-sucedido negócio de meliponicultura (cultivo de abelhas nativas sem ferrão) que o tornou reconhecido regionalmente como João do Mel.

Ele recorda que há vinte anos tinha mais de mil colmeias, abrigadas em caixas de madeira padronizadas que foi aprendendo a confeccionar a partir dos 17 anos. Estrategicamente espalhadas pela propriedade de 16 hectares, cada uma chegava a ter de 80 mil a 100 mil abelhas jataí e jandaíra, entre outras espécies nativas.

Conhecedor dos nomes científicos e principais hábitos das abelhas, o ex-produtor menciona que as chamadas de canudo (ou tucano), por exemplo, eram as campeãs de produtividade.

“Produziam de cinco a seis quilos, por caixa. Mas, atualmente, a produção de cada uma não rende nem meio quilo”, calcula, correlacionando esse declínio à expansão gradativa da soja nas últimas duas décadas na região.

E acrescenta que o agronegócio mudou o comportamento e a dinâmica de reprodução desses polinizadores. “Quantas vezes encontramos caixas completamente vazias ou enxames mortos”, denuncia. Assim, o sonho de manter essa atividade comercial ruiu completamente depois de 40 anos dedicados à meliponicultura.

Com cerca de 100 caixas que restaram na chácara, João do Mel admite que naquele “cemitério de colmeias” jaz a meliponicultura como atividade de reconhecida importância socioeconômica e ambiental. As pequenas quantidades de abelhas que resistem precisam se alimentar do próprio mel produzido nas últimas colmeias que ele mantém somente para nutri-las.

“Se tirar o mel o enxame se acaba”, explica, acrescentando que além da redução da quantidade de áreas de florestas e, consequentemente, das floradas das quais dependem esses e outros polinizadores, a situação piora na temporada de chuvas intensas na Amazônia.

Como outro reflexo do desequilíbrio ecológico regional, o ex-produtor menciona que não faltam, ainda, as investidas de tamanduás que, ao farejarem a presença de abelhas, muitas vezes rompem as tampas das caixas em busca das colmeias que restam.

Com olhos marejados e voz embargada, ele confessa ainda estar sentindo o impacto emocional pelo extermínio das abelhas na sua propriedade e nas de outros produtores da região. Argumenta, ainda, que o fracasso dessa prática tradicionalmente vinculada à cultura indígena, à agricultura familiar e à agroecologia representa um sinal de risco, principalmente à segurança alimentar, embora considere que o problema seja pouco percebido por grande parte da sociedade em níveis local e regional.

“O agronegócio chegou como uma bomba atômica a Belterra e o seu impacto foi violento”, opina João do Mel. “O agrotóxico pulverizado nos plantios de soja se dispersa no vento e na chuva, afetando toda a cidade”, alerta. Segundo ressalta, seus efeitos podem atingir até mesmo as árvores mais altas, cujas floradas são buscadas pelas abelhas sem ferrão. Ele se queixa da falta de fiscalização ao uso desses produtos químicos, que parece sem controle. Também destaca que são cada vez mais comuns os casos de câncer na região, doença praticamente inexistente antes da expansão dessa cultura agrícola.

Ferreira vê, na prática, que enquanto a agricultura familiar é benéfica à presença de abelhas, as monoculturas, de forma geral, contribuem para ampliar a perda de habitat, entre outros impactos ambientais que têm dizimado esses e outros polinizadores. “O homem não vê o tempero da natureza”, lamenta.

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