Os paulistanos talvez não saibam, mas diversos espaços abertos e emblemáticos da cidade de São Paulo poderiam ser muito diferentes caso os projetos desenvolvidos pelo paisagista brasileiro Burle Marx (1909-1994) tivessem saído do papel. Mostrar a capital paulista pensada por Burle Marx é o intuito da nova exposição do Centro Cultural Fiesp, que entrou em cartaz hoje (19): Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx.

Com curadoria de Guilherme Wisnik, Helena Severo e Isabela Ono, a mostra apresenta os projetos desenvolvidos pelo escritório de Burle Marx para espaços muito significativos da cidade de São Paulo, tais como o Vale do Anhangabaú, o Parque Ibirapuera e o Parque Trianon, na Avenida Paulista. Esses projetos chegaram a ser encomendados, mas jamais foram concluídos.

A curadora Isabela Ono na exposição Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx, no Centro Cultural Fiesp, Avenida Paulista. – Rovena Rosa/Agência Brasil

“O Burle Marx e seus colaboradores fizeram muitos projetos para São Paulo. Os realizados foram principalmente os privados, em centros corporativos, agências bancárias, residências privadas e clubes. Já os públicos, foram feitas várias encomendas pelos governos e pelas prefeituras, mas não foram adiante. Entre eles está o Vale do Anhangabaú, a calçada da Vergueiro, a Praça da Sé, o Trianon. São espaços bem emblemáticos e públicos de São Paulo e que não foram executados”, lamentou Isabela Ono, diretora do Instituto Burle Marx e uma das curadoras da exposição. Ono é filha de Haruyoshi Ono, que foi sócio de Burle Marx por mais de 30 anos.

Os desenhos e croquis desses projetos mostram, por exemplo, o que havia sido pensado para o Parque Trianon, instalado em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). O projeto previa manter o bosque com as árvores originárias do parque, substituindo as espécies exóticas por árvores brasileiras e regionais. Também foi projetado ali um playground, um piso de mosaico de pedra portuguesa, canteiros e até um espelho d´água ondulado, de onde era possível ver a imagem refletida do museu.

Exposição Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx, com curadoria de Guilherme Wisnik, Helena Severo e Isabela Ono, no Centro Cultural Fiesp. – Rovena Rosa/Agência Brasil

“[Mostrar essas obras não realizadas de São Paulo] não é uma provocação, mas um alerta de que é possível pensar a cidade de São Paulo de uma maneira mais próxima, mais humana, mais verde e inspiradora”, disse a curadora.

Os projetos desenvolvidos para São Paulo compõem um dos três eixos da exposição. Um segundo espaço da mostra apresenta obras icônicas de Burle Marx, que estão hoje espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Entre elas, o extenso calçadão que percorre as praias da zona sul carioca; o Parque do Flamengo; e até o Parque del Este, em Caracas, na Venezuela. Também integra este núcleo uma sala escura sensorial, chamada de espaço penetrável, com projeções de imagens sobre tecidos pendurados na sala.

A proposta é levar ao público fotografias de jardins e calçadas criadas por Burle Marx e seus colaboradores, oferecendo uma experiência imersiva. 

“A projeção mais inspiracional, que chamamos de penetrável, mostra como a pessoa poderia estar se sentindo dentro do espaço de um jardim, vivenciando um jardim. Quisemos trazer essa vivência para a exposição, com uma música do Tom Jobim”, explicou a curadora.

Já o terceiro núcleo mostra o ativismo, o lado ecologista de Burle Marx e suas expedições pelo Brasil. “Ele tem uma fala pública de ecologista e ambientalista muito potente”, ressaltou a curadora.

As peças selecionadas para a exposição refletem a pluralidade do trabalho de Burle Marx e de seus colaboradores por meio de desenhos, maquetes, plantas de projeto, croquis, fotografias e vídeos. “Buscamos sempre trazer o projeto com uma foto para a pessoa entender que aquele jardim em duas dimensões existe em três dimensões na vida real”, destacou Isabela.

Instalação Jardim efêmero, na entrada da exposição Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx, com curadoria de Guilherme Wisnik, Helena Severo e Isabela Ono, no Centro Cultural Fiesp. – Rovena Rosa/Agência Brasil

Já na entrada do prédio do Centro Cultural Fiesp foi instalado um jardim efêmero, com estruturas verticais. “O jardim foi desenvolvido pelo escritório Burle Marx para a exposição. E a ideia era trazer um pouco dos elementos escultóricos dos jardins de Burle Marx para cá. Ali está um jardim vivo para a pessoa ter a real dimensão do jardim”, disse a curadora.

Impressões

Exposição Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx, com curadoria de Guilherme Wisnik, Helena Severo e Isabela Ono, no Centro Cultural Fiesp. – Rovena Rosa/Agência Brasil

Diversas pessoas estiveram visitando a exposição em seu primeiro dia em cartaz, como a técnica administrativa Bianca Andrejauskas, 37 anos. “O trabalho do Burle Marx eu não conhecia tão profundamente e é um trabalho maravilhoso, lindo. Ele tem toda essa questão de manter a flora, de tirar essa urbanização e esse excesso de concreto da nossa cidade. E tem muita coisa que poderia ser melhor aproveitada: são espaços lindos que ele planejou e que não foram executados. E é uma coisa que eu gostaria de ter visto”, disse à Agência Brasil.

“Ele tinha um projeto para o Ibirapuera e para o Anhangabaú. Você vê que é um projeto antigo, de 1974, que poderia ter sido executado e mantido. Eu trabalho próximo ali do Anhangabaú e o vale ainda tem muito a parte de concreto. O Burle Marx havia planejado mais essa questão de verde dentro do Anhangabaú e isso não foi concretizado”, lamentou.

Exposição Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx, com curadoria de Guilherme Wisnik, Helena Severo e Isabela Ono, no Centro Cultural Fiesp. – Rovena Rosa/Agência Brasil

A estudante de arquitetura Giulia Baron, 20 anos, também foi outra a visitar a exposição nesta quarta-feira. Ela contou que já conhecia o trabalho de Burle Marx e que, desde que soube da abertura da exposição, estava ansiosa para visitá-la.

“Estou achando o máximo. É muito inspirador ver todos os croquis e as fotos em seguida”, disse, destacando os desenhos à mão como uma das coisas mais interessantes da exposição. “Consegui ver a dimensão do trabalho dele. Consegui ver as anotações dele no canto [dos desenhos]”, observou.

“Toda essa parte de trazer a valorização da vegetação brasileira veio com ele. Os projetos dele sempre trazem espécies tropicais. Ele foi um grande inspirador para diversos outros artistas e arquitetos. Ele é a base do paisagismo brasileiro, sem ser aqueles jardins inspirados nos franceses ou ingleses”, disse Giulia.

A exposição fica em cartaz até o dia 5 de fevereiro. Mais informações podem ser obtidas no site da instituição

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