A mortalidade de crianças e adolescentes com câncer é mais alta entre os indígenas do Brasil, de acordo com a nova edição do Panorama de Oncologia Pediátrica, do Instituto Desiderata. Segundo os dados, a taxa de óbitos é de 76 por milhão de indígenas por ano, enquanto entre as crianças e adolescentes brancos é de 42,6 por milhão, e entre os negros e amarelos é de 38,9 por milhão.
A Região Norte e Nordeste do Brasil têm a menor incidência de novos casos de câncer em crianças e adolescentes, mas também são as regiões com as maiores taxas de mortalidade, com 47,5 e 44,5 por milhão, respectivamente. A coordenadora do Serviço de Oncopediatria do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, em Belém, no Pará, Alayde Vieira, afirma que múltiplos fatores podem estar contribuindo para essa alta mortalidade, incluindo questões geográficas que dificultam o acesso aos serviços de saúde.
A Região Norte, por exemplo, tem 144 municípios, e muitas vezes é necessário deslocar-se por milhares de quilômetros para chegar a um hospital especializado. Além disso, a Região Norte tem um número reduzido de hospitais habilitados em oncologia pediátrica, o que significa que mais de 40% dos pacientes precisam ser atendidos em hospital sem serviço especializado e mais de 20% têm que se deslocar para cidades diferentes para conseguir tratamento.
A oncologista Alayde Vieira também destaca que o cenário socioeconômico desfavorável é outro fator que contribui para o abandono de tratamento. “A gente tem um abandono de tratamento superior ao que é encontrado na região Nordeste, Sul e Sudeste, porque nós temos uma criança que mora numa região ribeirinha, num quilombo, numa aldeia… E aquela mãe que tem uma baixa renda, que o pai precisa trabalhar, com quem vai deixar as demais crianças? Então nós já tivemos vários relatos de abandono de tratamento, não é porque a mãe não quer, não tem interesse, ou não ama seu filho, é pela condição socioeconômica”, explica.
A oncologista também destaca que o cuidado de crianças indígenas requer abordagem especial, pois alguns pacientes metabolizam os medicamentos de forma diferente. “A gente usava a mesma medicação, o mesmo volume, a mesma dose, e as nossas crianças evoluíam com toxicidades. E isso nos chamou muito a atenção. Então a gente fez um estudo de mais de 10 anos, e a gente começou a observar que a nossa população indígena, ou a população miscigenada, que é a maioria do nosso estado, quando ela tinha geneticamente a ancestralidade indígena acima de um determinado valor, ela começava a apresentar efeitos colaterais maiores. Elas têm 28 vezes mais chances de intoxicar e evoluir para infecções graves e severas do que outras crianças”, explica.
Para superar esses desafios, a oncologista criou um protocolo diferenciado para o tratamento de crianças indígenas, com maior hidratação e administração de antígenos para proteger os órgãos dos efeitos colaterais. O Panorama de Oncologia Pediátrica está disponível no site do Instituto Desiderata para consulta do público e de especialistas.